PRIMEIRO BEIJO

Crônica, 2017


Aos 12 anos fui pedida em namoro pela primeira vez. Ele tinha 16, estudava nas turmas mais adiantadas do colégio e, de um momento para o outro, passou a me lançar olhares pelos corredores e varandas, durante o recreio. Não teve coragem de me abordar, enviou uma amiga como de praxe na época. Uma uma “moça” da idade dele. Ainda entrando na adolescência, eu ainda era esnobada pela turminha das garotas “moças feitas” e, paradoxalmente, já notada pelos meninos e, infelizmente, já desejada por homens mais velhos. “X mandou perguntar se você quer namorar com ele, sim ou não?” Entre mortificada e encantada, consegui dizer que queria. Ainda se passariam muitos anos até que eu viesse a pronunciar a palavra “quero!” com segurança e prazer.

O romance nunca evoluiu. Eu o considerava meu namorado, mas nos encontramos apenas umas duas vezes, quase mudos, ele cheirando à “Phebo de Rosas” em suas tentativas de me roubar um beijo e eu, a recusar, da mesma forma, incansavelmente. Até que ele me surpreendeu ao perguntar se eu nunca tinha sido beijada. Vermelha de vergonha, me restou mentir: “Já fui, mas não gosto!” Durou pouco. Não tenho qualquer lembrança da despedida.

Ainda muito novinha, mas já muito alta para a minha idade, engatei um segundo namoro, esse eu não lembro bem como começou, nem quem teria sido a portadora da pergunta fatal – cuja resposta positiva, naturalmente, já desembocava em compromisso. Ele tinha 18 anos, certamente muito velho para mim, mas não para os padrões da época e do lugar – nem para as minhas fantasias que miravam os meninos mais maduros, ao invés dos da minha idade, menores e mais bobos que eu.

O processo até chegar ao beijo durou outra eternidade. Um dia fui a uma festa com minha prima R, recém-chegada para passar as férias de verão. No caminho, lhe contei que estava namorado e tivemos o seguinte dialogo:
“Mentira!”
_”Verdade!”
_”E como ele é?”
_“É lindo!”
_“Não acredito!”
_“Juro!”
_“Duvido!”
_“Dou minha cara a tapa como você também vai achar!”

“Dou minha cara a tapa” era expressão muito comum naqueles tempos, nós a usávamos à toda hora.

Chegamos à festa, tomamos refrigerante e comemos alguns doces (no meu caso, com muita dificuldade, por conta da emoção de sabê-lo por perto) até que nos encontramos na varanda. Ele prontamente me cumprimentou com um beijo na boca que eu, com o coração aos pulos, recebi paralisada, mas não sei se correspondi. Coisa de um segundo e eu tinha sido beijada pela primeira vez na vida. Logo depois eu e R. saímos da festa, porque minha mãe tinha dito para voltarmos antes das 18h.

As primeiras lâmpadas se acendiam na pracinha, iluminando o entardecer, e eu experimentava uma emoção tão nova e tão arrebatadora que as luzes para mim explodiam em um brilho excessivo, festivo e doido. Eu flutuava, enquanto nós duas corríamos pelo jardim da praça em direção à casa, quando senti o impacto no meu rosto. Minha respiração parou em choque e eu me senti atacada por alguma coisa que não entendi o que poderia ser. R. tinha me dado um tapa na cara, literalmente!

Magoada e confusa, com os olhos cheios de lágrimas de surpresa, perguntei se ela estava louca. Ela respondeu:

_”Vc não disse que dava a cara a tapa se ele não fosse lindo?”

Eu nunca tinha alcançado a expressão em sua forma literal, demorei para lembrar, tinha esquecido da nossa conversa anterior. Dar a cara a tapa era mesmo estar disposta a apanhar? Minha cabeça era um turbilhão, tinha certeza de que ele era lindo. Como era possível que ela não concordasse? Será que ela estava jogando comigo? A epifania do beijo, que trazia dentro de mim há pouco, se transformou em uma desorientação indigesta. Pela primeira vez fui confrontada com a divergência quanto à questão do gosto e da escolha. Com muita relutância aprendi alí que o que eu via não era o mesmo que os outros viam, que o que me atraia poderia não parecer atraente para os outros, que cada olho, cada cabeça e cada coração tinham sua própria maneira e razão de ver. Mas nunca me recuperei do choque.


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