O CRIME
Crônica, 2011Eu era muito pequena quando estourou a notícia do assassinato.
Fui com meu pai ao funeral. Creio que tinha cinco ou seis anos pela sensação de asfixia ao ver a multidão por um ângulo baixo, com meu pai me segurando pela mão. Eram imagens de roupas pretas, pernas de calças, saias e talvez bengalas e guarda-chuvas em movimento. O nome dela era Meire, acho que tinha 18 anos. Era morena e doce. Lembrava de tê-la visto na igreja montando o presépio, no último Natal. Montar o presépio era uma atividade almejada. Eu sempre sonhei em arrumar aqueles boizinhos e carneirinhos e em colocar o Menino Jesus no bercinho da manjedoura, mas nunca tive a oportunidade de fazê-lo. Acho que a visão dela arrumando as figurana palha me encantou, daí o desejo.
Lembro do jornal com a notícia passando das mãos de meu pai para as de minha mãe. Era uma longa reportagem. Ela estudava em Salvador e morava num pensionato religioso. Assistia televisão na sala, de costas para a porta aberta, quando o homem se aproximou pedindo esmolas e a freira foi até a cozinha para buscar um pão. Com um pequeno punhal, ele avançou por traz, acertou um furo único no seu coração e fugiu. Ela ainda se levantou e tentou correr de encontro à freira, que voltava com a esmola. Suas palavras antes de cair morta no corredor: “Irmã, o homem me furou.” Especulou-se que o crime misterioso fora uma encomenda. Nunca se soube de quem. Consta que sua autópsia causou comoção pela beleza do seu corpo nu, por pouco intacto. O crime jamais foi desvendando.
