MEMÓRIAS DESCARTADAS
Essay
2012




             
              
            
PHOTOGRAPHY & MEMORY


Since its invention, almost 200 years ago, photography has became part of the collective unconsciousness. Whenever we had a memory of old facts it was a photograph that came to mind. It happened because photography became the best representation of memory.

However, there was one specific object that best represented the connection between photograhy and memory, an object that no longer exists. Who among us remembers the family photo-albums?

For more than a century, family albums have been the guardians of private memory, the way families unconsciously constructed a chronicle of themselves to be preserved for the future. Weddings, birthdays, graduations, births, parties and trips. The family album was a constructed fantasy, an edited memory of a happy family with no dirty kitchens, sick children or ressented people and where everybody had a smile on their face.

According to American phylosopher Susan Sontag, family albuns did not document but 'invented' the story of a life to influence historical memory.

Until recently, a common object in all middle-class homes, the family album is an example of significant things that desapeared with the digital age, which raises a question: how will sentimental memory be collected and preserved in times to come?


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MEMÓRIAS DESCARTADAS

Inventada na primeira metade do século XIX, causando espanto e admiração como novidade tecnológica, a fotografia passou a ser desprezada por críticos, instituições artísticas e colecionadores como imitação e cópia, marcada pelo estigma de médium secundário. Neste início do século XXI, a mesma fotografia atingiu seu triunfo quando, superando todas as expectativas, estabeleceu-se como gênero predominante entre as artes contemporâneas.

Mas se a fotografia é a mesma, o que mudou? Qual fator ou fenômeno foi capaz de elevar aquela que era o “patinho feio” dentre todas as artes, ao status tão turbinado que adquiriu ao chegar à era digital? A verdade é que as décadas recentes viram surgir um interesse recorde pela fotografia, agora já não mais apenas um hobby da classe média, com suas câmeras Kodak, mas uma prática cada vez mais assimilada por artistas, críticos e instituições. A ascensão da fotografia ao caráter de “high art” ocorre no esteio da arte conceitual e da reviravolta na produção artística, a partir dos anos 1960, trazendo à tona reflexões qualificadas sobre sua especificidade como médium e a urgência da sua conservação como objeto. De forma que, paradoxalmente, as razões que a levaram ao topo são as mesmas pelas quais era desprezada: seu caráter mecânico, sua natureza híbrida e sua capacidade de infinita reprodutibilidade.

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Mas é a fotografia vernacular, aquela que proliferou na clásse média, a que mais interessa à esta reflexão. O que talvez não se imagine é que, ainda na era analógica - que de repente já faz parte do passado, ainda que recente mas cada vez mais remoto - um incalculável volume de fotografias foi produzido no planeta em quantidade de tal forma gigantesca e onipresente que pode-se afirmar que fotografava-se como se respirava. É um exagero, claro, mas é verdade que se chegou a uma produção diária absurda de fotografias impressas na era opré-digital - para a alegria dos capitalistas mas tambem da nossa memória e dos nossos afetos. Por isso mesmo o descarte sempre foi parte indissociável do ato de fotografar.

Hoje, ao falarmos de descarte do objeto fotografia, estamos contemplando o passado, quando a era digital continua nos confrontando com um descarte infinitamente mais profundo e assombroso, virtual, intocável, das imagens que sequer chegaram a existir. O virtual levou à uma espeçie de compulsão do fotografar para confirmar não os eventos banais que justificam a prática, mas a existência em si, a fragilidade do ego, o medo da morte. Numa época em que, paradoxalmente, a fotografia é manipulável e serve tambem para manipular o resultado desejado e, consequentemente, o status quo, as imagens são feitas e impiedosamente descartadas nos lixões virtuais. 

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Qual o objetivo final do registro compulsivo que realizamos da nossa própria existência? Se refletirmos sobre a obsessão com que fotografamos a nossa vida, ainda estaremos contemplando as imagens envelhecidas no papel. Ao colecionarmos nossas imagens na internet, já estamos irremediavelmente distanciados de como costumávamos carregar, até pouco tempo atrás, as  3×4 dos nossos entes queridos nas nossas carteiras.

O objeto fotografia chegou ao fim para as famílias, para a sociedade e a cultura, nos restando apenas a nostalgia do colecionador a  redescobir, admirar, cuidar e até mesmo adorar aquilo que hoje já é passado. A obsessão da coleção de registros individuais que encontrava sua falência com a morte, qdo as coisas acumuladas como objetos de afeto são abandonadas, perdidas ou descartadas, hoje é algo pitoresco, exótico até. Outro descarte tão melancólico quanto tomou seu lugar com a evasiva do trivial.